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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Os Papa-Léguas #7 (João Santos)

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João Santos tem 34 anos e nasceu em Trancoso. Aos 30 atingiu o auge. Só que não foi um bom auge. Aos 30 anos, subiu para a balança e ela, que tinha marcado 150 quilos há poucos dias, deu erro. Dito de outro modo, a balança tinha deixado de conseguir pesá-lo. Não tinha quilos programados que chegassem para tanto.

João Santos sempre foi obeso. Ele e os pais. O problema não era genético. Era mesmo cultural. Em casa, comer bem significava comer muito. Fritos, enchidos, carne com fartura, massas, arroz, feijão. Doces. Todos os dias. Muito. Em criança, não se lembra de se sentir triste com a aparência. Havia quem gozasse, claro, há sempre. Mas o seu tamanho também impunha algum respeito, pelo que raras foram as vezes em que alguém pisou o risco. Cresceu com a alcunha de "João gordo". Mais tarde alguns, mais diplomáticos, substituiram o cognome "João Gordo", ostensivamente ofensivo, por um mais simpático "Big John".

Big John sempre praticou desporto. Mas não chegava para contrabalançar o que comia. De resto, gostava de ter seguido a área de Desporto mas falhou nos pré-requisitos. Acabou por estudar Contabilidade no Politécnico da Guarda. Depois, fez uma especialização em Gestão na Universidade da Beira Interior. 

Aos 18 anos, a vida ofereceu-lhe um duro golpe. O pai, que já era doente (tinha, entre outros problemas de saúde, uma fístula numa perna que não havia meio de sarar), morreu-lhe nos braços no dia em que foi ao Hospital de Coimbra fazer exames: "Depois da consulta, fomos almoçar num restaurante com o meu padrinho. À saída, o meu pai estende a mão ao meu padrinho, para se despedir, e eu percebo que ele perdeu as forças e começou a cair. Agarrei-o mas pesava mais de 100 quilos. Acabámos os dois no chão, ele morto nos meus braços. Ainda chamámos o INEM mas já não havia nada a fazer. Tinha tido um enfarte fulminante."

O acontecimento dramático podia ter sido um factor decisivo para que João decidisse inverter o rumo da sua vida. Mas não foi. Sempre tinha comido mal e aos 18 anos não tinha ainda a maturidade suficiente para tomar essa importante decisão. Foi aos 30. Com essa idade, vestia o número 70. As compras tinham de ser feitas no El Corte Inglés, na secção dos tamanhos grandes. "Adorava roupas de marcas baratas mas nunca havia nada que me servisse. Tinha de vestir de marcas como a Gant, que tinha números enormes, mas caríssimos."

Na lista dos seus erros alimentares contavam-se coisas como sobremesas diárias, 1 litro e meio de refrigerantes por dia, cereais açucarados aos quais ainda juntava açúcar, além de almoços e jantares fartos e muitas vezes repetidos. Ao ver a mãe doente com um cancro (possivelmente causado também pela obesidade), começou a ler sobre alimentação. Começou a interessar-se teoricamente pelo assunto. A querer saber mais sobre nutrientes, calorias, hidratos de carbono, proteínas, massa muscular, massa gorda. Um dia, decidiu-se. "Pedi à minha mãe: a partir de agora, só quero bife com salada ou peixe com legumes. Não quero mais batatas, arroz, massa. E basta de fritos e molhos." Foi em Setembro de 2013.

A mãe, sempre que podia, incluía o arrozinho, a batatinha, a massinha. João zangava-se umas vezes, outras não dizia nada, mas nunca lhes tocava. A partir do dia em que tomou a decisão, João Gordo começou também a fazer caminhadas. Todos os dias depois do jantar. Uma hora. Uma hora e meia. Mesmo quando chovia. E chove muito em Trancoso. Mesmo quando estava frio. E faz muito frio em Trancoso. Começou por caminhar, depois arriscou-se a correr. Uns metros, primeiro. Um quilómetro, depois. Vários, um dia.

Em Julho de 2014 estava seco como um bacalhau. Tinha perdido 70 quilos em 10 meses. Sozinho. Sem recurso a nutricionistas ou personal trainers. Nessa altura já corria a sério, já tinha participado no seu primeiro trail (Aldeias do Mondego, 20km). Os amigos, quase todos migrados ou emigrados, quando regressaram a Trancoso em Agosto desse ano para as férias de verão, não o reconheceram. "Tive de me apresentar aos meus amigos. Ninguém sabia quem eu era." João pesava (ainda pesa) 80 quilos e mede 1,83m.

Quando a mãe faleceu, nesse Agosto de 2014, entregou-se de alma e coração (e corpo, sobretudo) ao trail. Fazia provas todas as semanas. E já fez muitas, entre elas: Os Ultrapicos da Europa, em Espanha (55Km + 5500m de desnível positivo), o trail Oh Meu Deus (100Km), o Ultra Sicó. Este ano ia fazer o UTAX (110Km) mas teve de parar aos 25Km para ajudar um amigo que estava em hipotermia. "Estávamos um sítio sem rede e fiz diversas chamadas para o 112 que caíam constantemente porque, com os fogos, as comunicações estavam afectadas. Estive mais de uma hora à espera da ambulância, de maneira que acabei por decidir não continuar a prova e acompanhar o meu amigo." Ainda para este ano tem como objectivo atingir os 2500km corridos (quando conversámos ia em 2150km) e para o ano quer fazer muitas provas, entre elas os 200 km no Oh Meu Deus. 

A mudança na sua vida foi tão grande, tão absolutamente gigante que João, ex-Gordo, ex-Big John quis ajudar outros a alcançarem o mesmo objectivo: uma vida mais saudável, com desporto, com o seu exemplo a servir de farol. Foi assim que nasceu o GDT (Grupo Desportivo de Trancoso): "Em Trancoso, não havendo futebol, não havia mais nada. E eu quero tornar o atletismo uma tradição em Trancoso. O GDT nasceu há um ano e meio e o primeiro objectivo era mesmo pegar só na vertente competitiva. Formar atletas. Mas os jovens só querem ir para o futebol e começaram a aparecer muitas pessoas que queriam ter uma actividade física mas não tinham onde a praticar. Esse grupo cresceu muito. São hoje 75 pessoas. Tenho também ateltas com o mesmo problema que eu, que estão a perder muito peso, o que me deixa muito satisfeito. O GDT é livre, não há pagamento, é uma actividade voluntária. Acho que espalhar o que me aconteceu é o maior pagamento que posso ter."

E o que foi que lhe aconteceu, afinal, com estes 70 quilos perdidos? "A auto-estima melhorou muito. Eu não me sentia mal antes, mas não nego que me sinto muito melhor agora. Antigamente, quando fazia uma abordagem a uma rapariga, eu era o coitadinho. Avançava mas sempre a medo, já à espera da rejeição. Depois de emagrecer senti: 'eu agora sou o prémio. Se alguém quiser vai ter que lutar.' Agora já não vêm a tempo, que já tenho a minha namorada... (risos)". Mudou - e muito - o número que veste (passou de um 70 para um 42). Mudou a vida que leva - antes absolutamente sedentária, hoje perfeitamente frenética. Mudou tudo o que come. Era louco por lasanhas, pizzas, francesinhas. Hoje nem sequer lhe sabem bem. 

A mensagem que deixa é uma e só uma: "É possível. Sem clínicas, sem comprimidos, sem milagres. Com muita força de vontade. Com muito trabalho. Com muita persistência. Acreditem em mim: é possível! Basta querer."

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