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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Colégio/ Escola Pública

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É uma pergunta recorrente que me fazem: "colégio ou escola pública?" E também: "Como geres o facto de teres uns filhos no colégio e outros na escola pública?"

Vamos a isto, então. Quando tivemos o Manel e o Martim nem sequer considerávamos a possibilidade "escola pública". Três principais razões para isso:

1 - Ambos andámos a vida inteira em colégios e não queríamos dar menos do que os nossos pais nos deram a nós (o que assenta no pressuposto errado de que a escola pública é menos que os colégios, o que nem sempre é verdade).

2 - Tínhamos ambos preconceitos em relação à escola pública (como, de resto, é fácil perceber pelo ponto anterior).

3 - Podíamos pagar.

Depois, tivemos a terceira filha e metemo-la também no colégio. Ainda conseguíamos aguentá-los financeiramente mas já considerávamos a possibilidade de fazer a mudança. Porquê? Porque sentíamos que, se era verdade que podíamos mantê-los a todos no colégio, a verdade também era que não poderíamos fazer muitas das coisas que queríamos, se os mantivessemos: viagens em família, idas ao teatro, a concertos, experiências especiais que são caras (e a massa estaria toda alocada ao colégio). Ponderávamos mudá-los mas a ideia custava tanto como se os estivéssemos a meter num instituto correccional (tais eram as ideias que tínhamos impressas na cabeça). Houve um ano que os inscrevi e eles entraram. Fiquei com o coração tão apertado que não fui capaz de levar a matrícula adiante. Ficariam mais um ano no colégio. No ano seguinte, voltei a tentar. Só o Manel ficou colocado. E então, depois de muitas conversações e depois de bem medidos os prós e os contras, decidimos que ele iria sair do colégio e entrar na escola perto de casa. 

E foi então que o meu preconceito começou paulatinamente a ser destruído. A escola do Manel foi uma muito agradável surpresa. O director de turma era muito atento e enviava emails com frequência, a comunicação casa-escola nunca foi tão directa e acessível, nunca tive aquelas cenas de professores a faltar e sem substituto, e o Manel houve um dia que disse: "Parece que me abriram as janelas, mãe. Agora respiro!"

No ano seguinte, voltei a tentar. Só entrou a Mada (para outra escola do mesmo agrupamento, não para a do irmão). Então, lá foi ela. Mais um passo no caminho de um voto de confiança dado à escola pública, mais um passo contra um dos meus derradeiros preconceitos. E voltou a correr maravilhosamente. A escola era óptima, com direito a horta e grandes janelas e muita luz. A educadora que lhe tocou era simplesmente maravilhosa (beijinho, educadora Manuela, onde quer que esteja!) e ela adaptou-se de imediato e nós também. 

Acho que ainda tentámos mais uma vez que o Martim entrasse mas não conseguimos (nem com dois irmãos no mesmo agrupamento). E então desistimos. Achámos que era mais benéfico para o Martim continuar no seu colégio de sempre (onde andava desde os 3 anos). Pelas suas características, por ser muito introvertido, por estar com os seus amigos de sempre, por haver ali uma rédea curta que considerámos importante manter durante alguns anos mais críticos. Deixámos o Manel e a Mada na escola pública e o Martim no colégio. Nunca me pesou na consciência por achar que estava a dar mais a um do que aos outros, porque quando os outros começaram na escola pública depressa tirei da ideia que tinham menos do que ele. Poderá haver colégios que oferecem uma panóplia de actividades e viagens e eventos desportivos que, efectivamente, as escolas não oferecem. Mas, tirando isso, a matéria é a mesma. As orientações programáticas são definidas pelo Ministério e todos acabam por aprender as mesmas coisas. A questão prende-se mais com a exigência e com um certo "nivelar por baixo" que algumas escolas públicas praticam, por terem alunos que provêm de famílias complicadas, muito desestruturadas, e com muitas dificuldades. Acontece que, aqui onde vivo, tenho a sorte de ter escolas maioritariamente frequentadas por miúdos como os meus filhos. Uns com mais condições, outros com menos, mas diria que está ela por ela. Provavelmente, se vivesse numa zona em que a escola fosse maioritariamente frequentada por miúdos de bairros onde a polícia passa a vida a prender pessoas, teria de pensar duas vezes (ou três) antes de os meter lá. Precisamente por esse "nivelar por baixo" a que os professores são obrigados, se não querem ter só chumbos nas suas turmas (e, vezes demais, cargas de pancada dos pais como consequência).

Entretanto tivemos o Mateus, que foi para um colégio maravilhoso chamado Tutor T (e que foi, sem sombra de dúvida, a melhor escolinha onde já tive crianças). Ou seja: passámos a ter 2 filhos em colégios, e 2 filhos em escolas públicas. 

Este vai ser o ano de viragem total. Tentámos colocar o Martim na escola pública mas como escolhemos apenas 3 escolas, todas elas fora da nossa área de residência, não tínhamos qualquer expectativa que entrasse. Acontece que... entrou. Achámos que tinha chegado a uma idade (15 anos - 10º ano) em que já tem uma maturidade diferente para não precisar tanto da rigidez do colégio, por um lado, e também não sentir tanto a falta da grupeta de amigos que tem desde o infantário. De resto, eles combinam frequentemente encontros e deslocam-se perfeitamente de metro e de bicicleta para irem ter uns com os outros, de maneira que pode sempre manter essas relações e, ao mesmo tempo, ganhar outros amigos. Também creio que será importante, agora que escolheu a área, ir para uma escola em que pode "começar do zero", onde ninguém o conhece, com um novo estímulo. Assim como se fosse um livro em branco, onde pode escrever da melhor forma possível, sem o olhar dos outros a condicionar. Acho mesmo que pode ser bom para ele.

O Mateus também sai da Tutor T este ano, e isso sim está a custar. Só quem teve um filho neste colégio pode perceber como custa tirá-los de lá. Mas é giro: já não é por ir para a escola pública (porque já não tenho esse preconceito). É mesmo por sair daquele ninho bom, uma espécie de família para onde ia todos os dias, quase como a extensão da sua casa, do seu conforto, do seu porto seguro. 

E é isto. Até podíamos ter mantido todos no colégio. Conseguíamos, com esforço. Mas não tínhamos ido com eles a Madrid, a Nova Iorque, aos Alpes para fazerem ski, ao Brasil, a Marrocos. Não lhes tínhamos proporcionado uma série de experiências enriquecedoras (nomeadamente um gap year ao Manel, com direito a um mês inteiro na ilha do Príncipe e um mês inteiro em Nova Iorque). Não tínhamos feito, nós os dois, as nossas viagens a dois. E, para nós, tudo isso faz também parte da educação que lhes queremos transmitir. A educação, para nós, não se esgota na escola. Nada contra quem aposta tudo na educação curricular (até porque há quem não viva em zonas com boas escolas públicas). Nada mesmo. É uma opção tão válida como outra qualquer e, se não tivéssemos tido sorte, o mais certo era ser essa também a nossa escolha. Felizmente correu bem. Esperemos que continue assim.

 

4 comentários

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    M. 15.09.2020

    Subscrevo. Sempre andei em escolas públicas, que não estavam no topo de nenhum ranking (também não estavam em baixo), sempre fui boa aluna, sempre tive colegas bons alunos, diria que 90% da minha turma do secundário entrou e completou o ensino superior (também em universidades públicas), hoje somos todos advogados, economistas, médicos, enfermeiros, engenheiros, etc, a maioria a viver em Lisboa ou no estrangeiro.

    Também sou fluente em 3 línguas estrangeiras, já viajei por mais de 40 países e já vivi em 3 países diferentes (isto porque as "experiências extra" também as há para quem anda no público, ou para quem tem pais que as proporcionam, ou criam em nós esse bichinho).

    Também tive colegas de ambientes familiares complicados, também estive em turmas de betinhos. E, guess what? Naquela idade da parvoíce (adolescência), portavam-se todos de igual modo (mal), todos desafiavam os professores, todos gozavam com os colegas, todos fumavam às escondidas, todos faziam a sua parte de bullying, etc. O bom da escola pública é isso, sermos "todos diferentes e todos iguais", aprendermos desde cedo a diversidade que há no mundo, haver turmas com miúdos de todos os tipos e uns puxarem pelos outros, etc.

    Em Lisboa (onde moro há 10 anos) vejo uma segmentação imensa. Toda a gente que tem um pouco mais de dinheiro põe os filhos num colégio. As escolas públicas assim ficam só para os "maus", exceto se forem em bairros bons, porque aí tornam-se em mini colégios, não têm vagas e os pais tão bem formados até falsificam moradas para os filhos lá andarem. Acho essa separação péssima e não beneficia ninguém. E fui sempre ouvindo histórias de colegas com filhos em colégios de bradar aos céus, por isso a bolha dos colégios não é assim tão compensadora como se julga.

    Tenho uma filha que ainda só tem 1 ano e meio, mas a partir dos 3 queremos que vá para o jardim de infância público que temos perto de casa (e que tem escola primária no edifício ao lado, onde pode continuar). Também já sei que está longe do topo do ranking, que não é das mais procuradas (porque temos 2 urbanizações sociais perto), mas do que conheço e acompanho da associação de pais e professores parece-me muito bem. Se não tivermos uma boa experiência, pensamos numa alternativa. Mas essa será a primeira opção (e não é por questões financeiras, é pelo que referi acima).
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    Anónimo 16.09.2020

    "Naquela idade da parvoíce (adolescência), portavam-se todos de igual modo (mal), todos desafiavam os professores, todos gozavam com os colegas, todos fumavam às escondidas, todos faziam a sua parte de bullying, etc"

    uma coisa é este tipo de comportamentos que pode ser transversal. outra coisa é violencia.
    lembra-se daquela familia cigana que entrou numa escola publica de Coruche e agrediu violentamente uma funcionária por ter repreendido uma aluna dessa familia no dia anterior quando esta tentou passar à frente na fila da cantina? acha que isso acontecia num colegio?

    eu moro num pequeno concelho que tem apenas 2 escolas: uma publica e um colegio que tinha contrato com o Estado (portanto quem la andava nao pagava). Eu andei na publica, pois o colegio era mais pequeno, tinha menos opcoes no secundario e tinha fama de dar notas altas internas, nao puxava pelos alunos e estes tiravam baixas notas nos exames, e de facto nos rankings isso era visivel. Eu nunca tive qualquer problema na escola publica, foi impecavel, e para contextualizar, acabei com media de 19, tirei 19,8 no exame nacional de matematica e entrei na universidade com media de 19,4. sempre fui boa aluna e la sempre me senti apoiada.
    A minha irma mais nova nao teve a mesma sorte: no 12º ano apanhou uns colegas complicados, começou a ser vitima de bullying mais forte por parte de uma colega e quando os professores interviram, o pai dessa aluna entrou na escola, foi ter com a directora de turma, agarrou-a pelo pescoço e encostou-a à parede. E portanto todos os professores ficaram a saber que nao se podiam meter mais no assunto, sob pena de serem tambem atacados, nao ajudaram mais a minha irma e a direcção da escola o que disse foi que nada podia fazer, que nao ia arriscar a segurança dos professores e o que podiam contactar o Ministerio da Educação e pedir uma transferencia urgente para o tal colegio. Do que percebi na altura nao é normal aceitarem transferencias a meio do ano, foi mesmo uma situação excepcional. E atenção, neste caso nao era ciganos, nem africanos nem nenhum esteriotipo de pessoas que se associam a estes comportamentos. Não, era apenas uma familia branca supostamente normal da classe media. Mas pelos visto o pai era do exercito e achava que podia fazer o que queria.
    Agora: acha que isto acontecia num colegio? Que deixavam o pai de uma aluna condicionar toda a acção dos professores e prejudicar a vitima em vez do agressor? a minha irma é que perdeu aulas, é que teve de mudar de escola a meio do ano e começar tudo de novo.
    Enfim... e no colegio foram espetaculares: ajudaram-na a recuperar a materia perdida, ela safou-se bem nos exames, e um dos pormenores que ela comentou foi que por ex nos intervalos as funcionarias paravam as tarefas de limpeza que estavam a fazer e ficavam de olho nos alunos, a controlar para nao haver disparates. Obvio que crianças e adolescentes vao fazer sempre asneira, mas se tiverem um adulto a controlar constantemente é mais dificil.
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    Anónimo 17.09.2020

    Em primeiro lugar, a história dos colégios com acordo com o Estado é das maiores anedotas da sociedade portuguesa! Esse dinheiro devia ser investido na escola pública e, sinceramente, acho que não há discussão quanto a este ponto. O Governo tem obrigação de assegurar a frequência da escola, no ensino público, quem quer os filhos em colégios privados, paga a fatura.
    Depois, segundo sei, o bullying nos colégios é tanto ou mais que na escola pública, só está mais escondido.
    Na situação da sua irmã, se acotecesse num colégio, a agressora teria sido expulsa, que deveria ter sido a mesma atuação da escola pública, além do processo crime contra o pai, como já foi referido. A situação da sua irmã é lamentável, e ainda bem que foi resolvida, mas não me parece que seja por ser colégio privado que as coisas não acontecem...
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