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Cocó na fralda

Cocó na Fralda

Peripécias, pilhérias e parvoíces de meia dúzia de alminhas (e um cão).

Os casamentos não têm de estragar o amor

Há por vezes esta ideia de que uma relação duradoura (seja um casamento ou união de facto) é a morte do amor. Como se a vida a dois fosse um percurso entediante em que, passado o fulgor inicial, duas pessoas se limitassem a acordar e dormir juntas, a tomar conta de crianças (quando as há), e a ver passar os dias, numa resignação asfixiante.

Esta ideia toma forma, peso e volume porque existe, de facto, quem se esqueça de alimentar a relação. Quem se deixe adormecer na forma, quem não se dê ao trabalho. Ah, sim, não se iludam. A palavra "trabalho" não é despropositada. Conseguir manter a chama acesa, com tantos sopros que ela leva ao longo da vida, requer trabalho. Empenho. Perseverança. Requer sobretudo que a inércia não tome conta de ambos, impedindo-os de ver que se afastam devagarinho um do outro.

O trabalho até horas impróprias, as contas para pagar, os filhos, a falta de dinheiro para luxos, as noites mal dormidas quando há miúdos, podem afogar um casal no seu próprio quotidiano, na sua própria rotina, no seu próprio fim. Não é difícil compreender que isto aconteça. É até mesmo muito fácil. Complicado é sair desta teia. Laborioso é marcar um jantar a dois ou uma ida ao cinema ou ao teatro, quando só apetece ficar afundado no sofá. Ou organizar uma surpresa. Encher a casa de velas. Fazer um banho de espuma a dois. Um piquenique. Vestir uma lingerie sexy quando o que mais se queria era dormir. Ou inventar uma escapadinha. 

É muito mais fácil culpar o cansaço e o trabalho e a falta de dinheiro e o tempo e o país e os filhos. É muito mais fácil dizer "eu se pudesse também fazia" e não fazer nada. Há sempre coisas que se podem fazer. Mesmo sem sair de casa. Basta pôr a imaginação ao serviço de um amor em que se apostou, para que não se perca a aposta. Basta não esquecer aquele momento em que tudo começou, a faísca que fez com que a tal chama se acendesse. E fazer de tudo para a manter viva. Isto, claro, se ainda valer a pena. Se não valer... então que se comece tudo de novo outra vez. Da forma certa.

Wedding_rings.jpg

 

9 comentários

  • Obviamente que não estava a falar para pessoas que passam tantas necessidades assim. Mas até essas, quanto a mim, não devem esquecer o que as levou a ficar juntas. Senão, além das dificuldades financeiras por que estão a passar, mais dia menos dia vão acabar sem a pessoa que amavam porque simplesmente passaram anos esquecidas dela. Se há pouco dinheiro para gastar no supermercado, é enfeitar o atum com uma folhinha de uma erva qualquer, a fingir que é um prato super gourmet. E arrancar uma flor da rua e pô-la à mesa. Imaginar que se está num restaurante fino. Enfim... fazer humor com o mau momento, acreditar que não será para sempre, e continuar a alimentar a relação.
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    Anónimo 27.04.2018

    Fazer humor com um mau momento é bom.. Quando estamos de fora. A pobreza, a tristeza, a solidão é algo romântico nos filmes, na vida real não tem nada de romântico. Imaginar que estamos num restaurante chique é fixe... Para quem tem ou sabe que vai ter condições para tal. Isso é conversa de gente com vida folgada, empregada, família perto, queria ver esse romantismo todo se vivesse como a maioria dos portugueses. Continue a sonhar nesse seu mundo cor de rosa.
  • O meu mundo não é cor de rosa, cara anônima. Já conheci mais miséria, em múltiplas reportagens que fiz, do que conhecerá, seguramente. Já vivi de perto com a pobreza, nas muitas ações de voluntariado em que me envolvo. E aprendi com muita gente a viver dificuldades estes truques. Que me ensinaram e que fizeram perceber que a vontade está no coração. No seu já percebi que não está. Porque azedou. E por ter azedado chama vida “cor de rosa” à vida dos outros, com esse tom ácido. Já se percebeu que é a sua forma de ser e estar. Simplesmente não me vai fazer acreditar que é assim que pensa e sente quem passa dificuldades. Já conheci casos demais para saber que - felizmente - nem todos amargam como você.
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    Ana 28.04.2018

    Sónia, tenho-a na conta de uma pessoa que é capaz de se colocar no lugar dos outros. Vejo essa capacidade na forma como escreve os "mudar de vida", os "conta-me" e outras coisas. Por isso, surpreendem-me os seus comentários das 16h38 e das 23h25.

    Tendo conhecido pessoas em situação de pobreza, saberá certamente que o que funciona para umas pessoas não tem que funcionar para outras, sem que essas outras sejam "menos" por isso. E saberá também que a perspectiva de uma repórter ou voluntária, sem deixar de ser válida, será sempre diferente da experiência de quem vive a pobreza na primeira pessoa.

    Por tudo isto, acho perfeitamente legítimo que a Sónia dê uma sugestão (bem intencionada e potencialmente útil), tal como acho perfeitamente legítimo que a outra pessoa lhe diga "isso a mim não me serve para nada".

    Ana
  • Óbvio que sim. Mas incomoda-me um bocadinho quando escrevo um texto sobre o amor e as formas de o estimular e vem sempre alguém dizer “então e quando se tem fome?”, “então e quando se tem uma doença terminal?”, “então e quando se está com uma depressao?” Epa, pronto, se calhar não escrevi especificamente para essas franjas da sociedade mas para quem tem vidas razoavelmente normais. Mas sim, claro, admito que se se estiver a morrer ou com fome não importe muito isso do amor.
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    Maria Duarte 28.04.2018

    Eu penso que o que deve ter "irritado" um pouco a leitora, foi o que a mim também me "irritou". E, caros fãs da Sónia, não venham já atirar-me pedras com o argumento da inveja e afins, que já não há saco para essa conversa. Uma pessoa pode gostar de ler outra e de vez em quando não gostar de uma ou outra coisa que lê, sem por isso ter de entrar em guerra. Mas vamos ao início, o que me "irritou" e já noutras vezes me fez alguma comichão, é que a Sónia, do alto da sua rede familiar de apoio que pode ficar com os seus filhos sempre que lhe apetece programas sem filhos, do alto da sua estabilidade financeira que lhe permite viajar semana sim, semana não, com ou sem filhos, fazer programas carérrimos com o seu marido, jantares nos melhores restaurantes, cinemas, concertos, e por aí fora, acha que as pessoas só não fazem determinadas coisas, porque não querem. E eu, que já estive dos dois lados, sei que não é nada assim e que muitas vezes as pessoas, exaustas, sem saber como vão pagar as contas, porque mesmo poupando e cortando em tudo quanto é despesa, nem sequer conseguem alimentar os filhos como desejariam, não têm cabeça para mais, quanto mais para vestirem uma lingerie sexy. Estão exaustas, e, para além disso, muitas delas não têm ninguém para lhes ficar com os filhos, caso queiram jantar a dois o tal atum com a erva em cima, que a Sónia em cima refere, para fingirem ser gourmet (muito mau esse comentário).
    E, por muitas reportagens e voluntariado que tenha feito, nunca conseguirá calçar os sapatos de quem está nessa situação, lamento.

  • Pois. Não conseguirei. É verdade. Têm razão. Façam então o que puderem. Ou não façam nada. 🤷‍♀️
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    Anónimo 29.04.2018

    Eu gostei do que li. Não tendo a Tefé de apoio familiar que a Sónia pelos vistos dispõe, fazemos o que podemos. Normalmente durante a semana, assim à média de 15 em 15 dias, quando as crianças estão no colégio vamos almoçar só os dois. Também já temos ido lanchar e até já tiramos o dia para ir passar o dia sozinhos a passear. Faz se o que se pode, adaptamo nos mas deixar morrer o que nos ligou é que não. Felicidades para si e para os seus.
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